Santidade na Fé Reformada


· O cenário evangélico atual e suas maneiras de encarar a vida cristã.
· O tema da “santidade” e o tema correlato da “santificação” são muito importantes na teologia e na tradição reformada.
· A santificação aponta para um processo e a santidade para o resultado desse processo. Através da santificação, o cristão se torna santo, adquire santidade.
· Biblicamente, santidade significa: (a) separação das práticas pecaminosas do mundo;(b) consagração ao serviço de Deus.


1. Calvino
· Calvino não abordou esses tópicos em um capítulo ou tópico separado das Institutas, mas em conexão com os temas da regeneração e do arrependimento. Ele o fez no Livro III, que trata da vida cristã: “A maneira pela qual recebemos a graça de Cristo: que benefícios dela recebemos e quais os efeitos resultantes”.
· O capítulo 3 desse Livro é intitulado: “Nossa regeneração pela fé: arrependimento”. Mais especificamente, o reformador aborda essa temática nos capítulos 6 a 10, conhecidos como “O livro dourado da vida cristã”. Cap. 6 – A vida do homem cristão; Cap. 7 – A soma da vida cristã: a negação de nós mesmos; Cap. 8 – Levar a cruz: uma parte da autonegação; Cap. 9 – Meditação sobre a vida futura; Cap. 10 – Como devemos usar a presente vida e seus recursos.
· Calvino acentua a transformação da alma denominada regeneração. Ela é acompanhada de um sincero arrependimento que envolve “a mortificação da carne e a vivificação do espírito”. Quando participamos da morte de Cristo, a nossa velha natureza é crucificada, e quando partilhamos da sua ressurreição, somos renovados segundo a imagem de Deus (Institutas 3.3.8-10).
· Arrependimento é uma verdadeira conversão da nossa vida a Deus, resultante de um sincero e sério temor de Deus. Consiste na mortificação da nossa carne e do “velho homem” e na vivificação do espírito (Institutas 3.3.5). Esse arrependimento não é questão de um momento, de um dia ou de um ano; dura a vida inteira, e não há isenção dessa guerra senão na morte.
· Em suma, a santificação é o processo pelo qual progredimos na piedade no decurso da nossa vida e na busca de nossa vocação.
· A santidade recebeu uma atenção toda especial da parte dos calvinistas ingleses, os
puritanos, com sua grande ênfase em um cristianismo prático e experimental.

2. Documentos confessionais
 · No que diz respeito às confissões reformadas, aquelas que se referem mais diretamente à santificação são: a Confissão Belga (1561), o Catecismo de Heidelberg (1563), os Cânones de Dort (1619) e especialmente os Padrões de Westminster (1647-1648).
· Os tópicos específicos são os seguintes:
- Confissão Belga: Artigo 24 – A santificação do homem e as boas obras
- Catecismo de Heidelberg: Perguntas 32, 43, 76, 86, 115, 122 e 124.
- Cânones de Dort: Título I – Artigo 13; Título IV – Artigo 13
- Confissão de Fé de Westminster: XIII – Da santificação
- Breve Catecismo de Westminster: Pergunta 35 – O que é santificação?
- Catecismo Maior de Westminster: Perguntas 75 – O que é santificação?; 77 – Em que sentido a justificação é diferente da santificação?; 78 – Donde procede a imperfeição da santificação dos crentes?

3. Definições
 · Santificação é a graciosa e contínua operação do Espírito Santo mediante a qual ele purifica o pecador, renova toda a sua natureza segundo a imagem de Deus e o capacita a praticar boas obras (Louis Berkhof).
· Santificação é a obra da livre graça de Deus pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão (Breve Catecismo, p./r. 35).
· Santificação é a operação graciosa do Espírito Santo, que envolve a nossa participação responsável, por meio da qual, como pecadores justificados, ele nos liberta da corrupção do pecado, renova toda a nossa natureza segundo a imagem de Deus e nos habilita a viver uma vida que é agradável a ele (A. Hoekema).

4. Justificação e santificação
· A santificação distingue-se da justificação nos seguintes aspectos (Berkhof):
- Ocorre na vida interior da pessoa
- Não é um ato legal, mas restaurador
- Geralmente é um longo processo
- Nunca alcança a perfeição nesta vida
· O Catecismo Maior de Wesminster (P/R 77) faz as seguintes distinções:
- Na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo; na santificação, o seu Espírito infunde a graça e dá forças para ser praticada.
- Na justificação, o pecado é perdoado; na santificação, ele é subjugado.
- A justificação liberta a todos os crentes igualmente e de modo perfeito na presente vida, da ira vingadora de Deus, de modo que jamais caem em condenação; a santificação não é igual em todos os crentes, e nesta vida não é perfeita em ninguém, mas sempre avança para a perfeição.
· Para Calvino, a base da santificação é a justificação; o alvo da justificação é a nossa santificação e glorificação (Bloesch).

5. Aspectos da santificação
· É uma obra sobrenatural de Deus (1 Ts 5.23; Hb 2.11), mas o cristão pode e deve cooperar na mesma pelo uso diligente dos meios que Deus colocou à sua disposição (2 Co 7.1; Cl 3.5-14; Hb 12.14; 1 Pe 1.22).
· Daí as contínuas advertências contra os males e tentações (Rm 12.9,16-17; 1 Co 6.9s; Gl 5.16-23) e as constantes exortações a um viver santo (Mq 6.8; Jo 15.4-7; Rm 8.12s; 12.1s; Gl 6.7s,15).
· Envolve dois aspectos: a remoção gradual da impureza e corrupção da natureza humana (Rm 6.6; Gl 5.24) e o desenvolvimento gradual da nova vida em consagração a Deus (Rm 6.4-5; Cl 2.12; 3.1-2; Gl 2.19).
· Esses dois aspectos equivalem à linguagem bíblica da “mortificação do velho homem” (Rm 6.6; Gl 5.24) e da “vivificação do novo homem” (Ef 4.24; Cl 3.10).
· Embora ocorra no coração do ser humano, a santificação afeta todos os aspectos da vida (Rm 6.12; 1 Co 6.15, 20; 1 Ts 5.23). A transformação do homem interior necessariamente irá acarretar uma mudança na vida exterior.

6. Seu caráter imperfeito
· O desenvolvimento espiritual e moral dos crentes permanece imperfeito nesta vida. Eles precisam defrontar-se com o pecado enquanto viverem (1 Rs 8.46; Pv 20.9; Tg 3.2; 1 Jo 1.8).
· Suas vidas são caracterizadas por constante conflite entre a carne e o espírito, e até mesmo os melhores deles ainda precisam confessar pecados (Jó 9.3,20; Sl 32.5; 130.3; Pv 20.9; Is 64.6; Dn 9.7; Rm 7.14; 1 Jo 1.9), suplicar perdão (Sl 51.1s; Dn 9.16; Mt 6.12s; Tg 5.15) e buscar maior perfeição (Rm 7.7-26; Gl 5.17; Fp 3.12-14).
· Ver CFW, 13.2; Cat. Maior, p./r. 78.

7. Perfeccionismo
 · Essa verdade é negada pelos perfeccionistas, os quais sustentam que o ser humano pode alcançar a perfeição nesta vida. Eles apelam ao fato de a Bíblia ordenar que os crentes sejam perfeitos (Mt 5.48; 1 Pe 1.16; Tg 1.4), fala de alguns deles como perfeitos (Gn 6.9; Jó 1.8; 1 Rs 15.14; Fp 3.15) e declara que aqueles que nascem de Deus não pecam (1 Jo 3.6,8s; 5.18).
· Todavia, o fato de que devemos lutar pela perfeição não prova que alguns já são perfeitos. Além disso, a palavra “perfeito” nem sempre significa livre do pecado. Noé, Jó e Asa são chamados perfeitos, mas a história mostra que eles não estavam sem pecado.
· João quer dizer uma de duas coisas: ou que o novo homem não peca ou então que os crentes não vivem no pecado. Ele mesmo diz que, se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos e a verdade não está em nós (1 Jo 1.8).

8. Santificação e boas obras
· A santificação naturalmente leva a uma vida de boas obras (os frutos da santificação). Boas obras não são obras perfeitas, mas aquelas que derivam do princípio do amor a Deus ou da fé nele (Mt 7.17s; 12.33,35; Hb 11.6), que são praticadas em conformidade consciente com a vontade revelada de Deus (Dt 6.2; 1 Sm 15.22; Tg 2.8) e que têm como alvo final a glória de Deus (1 Co 10.31; Cl 3.17,23).
· Somente os que são regenerados pelo Espírito de Deus podem praticar essas boas obras. Todavia, isso não significa que os irregenerados não possam fazer o bem em qualquer sentido da palavra (ver 2 Rs 10.29s; 12.2; 14.3; Lc 6.33; Rm 2.14). Em virtude da graça comum de Deus eles podem praticar obras que possuem conformidade exterior com a lei e servem a um propósito louvável. Mas as suas são sempre radicalmente defeituosas, porque estão divorciadas da raiz espiritual do amor a Deus, não representam uma verdadeira obediência interior à lei de Deus e não visam a glória de Deus.
· As boas obras dos crentes não são meritórias (Lc 17.9s; Ef 2.8-10; Tt 3.5), embora Deus prometa recompensá-las com uma recompensa da livre graça (1 Co 3.14; Hb 11.26). Em oposição ao antinomismo, deve-se afirmar a necessidade das boas obras (Cl 1.10; 2 Tm 2.21; Tt 2.14; Hb 10.24).

9. Princípios sobre a santidade (Packer)
- A natureza da santidade é transformação através da consagração (Rm 12.1s).
- O contexto da santidade é a justificação por meio da fé em Cristo.
- A raiz da santidade é a crucificação e a ressurreição com Cristo.
- O agente da santidade é o Espírito Santo que habita no crente (o poder de Deus).
- A experiência da santidade exige esforço e conflito (o valor das provações).
- A regra da santidade é a lei de Deus (obediência).
- O coração da santidade é o espírito de amor.

10. Aspectos da santificação
· O próprio Jesus Cristo é a nossa santificação (1 Co 1.30). É pela união com ele que a
santificação é realizada em nós. Institutas 2.16.19 (Ferguson, p. 50s).
· A santidade tem a ver com o coração, com o temperamento, com a nossa humanidade, com os relacionamentos.
· Meios de santificação (meio de graça): a Palavra, as ações da providência (inclusive provas e aflições), a comunhão na igreja, os sacramentos.
· Objetivos da santificação: (a) próximo: o aperfeiçoamento do povo de Deus (1 Co 15.49; 1 Jo 3.2; Ef 5.27; Hb 12.23; Ap 22.14s); (b) final: a glória de Deus (Ef 1.6,12,14).

Autor: Rev. Alderi Souza de Matos
Fonte: http://www4.mackenzie.br/7073.html