Por Robert Decker
João Calvino condenou a missa do Catolicismo Romano em termos
em nada ambíguos.
"De todos os ídolos, ele não conhecia nenhum tão
grotesco como aquele no qual o sacerdote evocava Cristo em suas mãos pela
‘enunciação mágica’ e oferecia-o novamente no altar do sacrifício, enquanto o
povo olhava com ‘admiração estúpida’."2
Calvino formulou suas idéias sobre adoração (liturgia)
baseando-as sobre a clara garantia da Escritura e apelando ao costume
invariável da igreja primitiva.3 O reformador concluiu:
"Não se fazia nenhuma reunião da Igreja, sem a Palavra, as orações,
a participação da Ceia e as esmolas."4
Os primeiros esforços de Calvino na reforma da adoração da
igreja apareceram na edição de suas Institutas de 1536:
Deixando, pois, de lado todo este sem fim de cerimônias e de pompas, a
Santa Ceia bem que podia ser administrada santamente, se com freqüência, ou
pelo menos uma vez por semana, se propusesse à Igreja como segue: no início se
faria orações públicas; a seguir viria o sermão; então, postos na mesa pão e
vinho, o ministro repetiria as palavras da instituição da Ceia; depois,
reiteraria as promessas que nos foram nela anexadas; ao mesmo tempo, vedaria à
comunhão todos aqueles que são dela barrados pelo interdito do Senhor; após
isto, se oraria para que o Senhor, pela benignidade com que nos prodigalizou
este alimento sagrado, também nos receba em fé e gratidão de alma, nos
instruindo e preparando; e, uma vez que por nós mesmos não somos dignos, por
sua misericórdia aprouve nos dignificar para tal repasto.
Aqui, porém, ou se cantariam salmos ou se leria parte da
Escritura, e, na ordem que convém, os fiéis participariam do sacrossanto
banquete, os ministros partindo o pão e oferecendo-o ao povo. Terminada a Ceia,
se faria uma exortação à fé sincera e à sincera confissão dessa fé, ao amor
cristão e ao comportamento digno de cristãos. Por fim, se daria ação de graças
e se entoariam louvores a Deus; findos os quais, a congregação seria despedida
em paz.5
Calvino nunca se desviou dessas idéias, mas somente as
expandiu na edição final das Institutas. Observe que Calvino insistia
sobre a celebração freqüente da ceia do Senhor. Ele queria que a mesma fosse
celebrada todo Dia do Senhor [Domingo]. Durante o primeiro pastorado de Calvino
em Genebra, ele e Farel propuseram num documento intitulado "Artigos
Concernentes à Organização da Igreja e da Adoração em Genebra" que a
igreja seria edificada por dois meios especialmente, a celebração freqüente da
ceia do Senhor e o exercício da disciplina. Por causa da "debilidade do
povo", os Reformadores resolveram realizar a comunhão mensalmente. Mais
tarde, em 1541, quando Calvino retornou à Genebra, ele tentou introduzir a
liturgia que usou em Estrasburgo. Calvino tentou novamente introduzir uma
comunhão semanal, crendo que não "havia nada mais útil para a igreja que a
Ceia do Senhor. Deus mesmo, Calvino cria, uniu a ceia com a sua palavra e,
portanto, era algo perigoso separá-las." O concílio de Genebra, para
desalento de Calvino, insistiu numa celebração trimestral da ceia do Senhor.
Calvino continuou a expressar sua insatisfação, declarando mais tarde, em 1561:
"Nosso costume é falho."6
Como é evidente a partir de sua declaração nas Institutas
de 1536, a liturgia da comunhão de Calvino continha quatro elementos
fundamentais. Esses elementos, o leitor Protestante Reformado7
reconhecerá, foram retidos intactos na Forma para a Administração da Ceia do
Senhor.8 9 Eles são: repetição da instituição do Senhor como a
garantia do sacramento; proclamação das promessas do Senhor que se relacionam
com a sua ordenança e suprem significado e realidade aos seus sinais;
excomunhão dos pecadores obstinados; e ênfase sobre a participação digna do
sacramento e santidade de vida.
Com algumas exceções, somente os Salmos eram cantados, e isso
sem acompanhamento instrumental. Concernente aos instrumentos, Calvino cria que
"eles faziam parte daquele sistema de treinamento sob a lei, ao qual
a Igreja esteve sujeita em sua infância," e, "não deveríamos imitar
de maneira tola uma prática que foi planejada apenas para o povo antigo de
Deus."10
Aliás, somos gratos que a visão de Calvino sobre esse assunto
não tenha prevalecido na tradição Reformada Holandesa.
A ordem da adoração de Calvino começava com o ministro falando
as majestosas palavras: "O nosso socorro está em o nome do SENHOR, criador
do céu e da terra. Amém". Isso era seguido por uma oração de confissão.
Essa era uma breve oração (escrita) lida pelo ministro enquanto a congregação
estava de joelhos.11 Após isso, o ministro leria algumas promessas
escriturísticas de perdão, e logo após pronunciaria a absolvição, Que cada um de vocês reconheça-se verdadeiramente um pecador,
humilhando-se diante de Deus, e crendo que o Pai celestial deseja ser gracioso
para contigo em Jesus Cristo. A todos que dessa forma se arrependem e buscam a
Jesus Cristo para sua salvação, declaro a absolvição em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo. Amém.12
A absolvição não era usada em Genebra. Após a confissão de
pecado, a congregação cantava os Dez Mandamentos como um guia para a obediência
grata do cristão perdoado.
Durante o cântico, o ministro deixava a mesa e ia para o
púlpito. Ali se preparava para a leitura da Escritura e a pregação, oferecendo
uma oração por iluminação. Essa e a oração de aplicação após o sermão eram as
únicas orações "livres" na liturgia de Calvino. Todas as outras
orações eram orações escritas. E, mesmo para essas duas orações livres, Calvino
oferecia aos ministros vários modelos. Após a oração de aplicação, o ministro
oferecia a oração congregacional. Essa oração era concluída com a oração do
Senhor, que em algumas congregações era cantada pela congregação.
Então, a congregação se levantava para cantar o Credo
Apostólico. Nesse ponto a congregação era despedida com a bênção de Aarão,
baseada em Números 6:24-26: "O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR
faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o SENHOR sobre
ti levante o rosto e te dê a paz," e com uma palavra sobre esmolas:
"Lembre-se de Jesus Cristo em seus pequeninos."13 14
Em Genebra, nos quatro Domingos quando a ceia do Senhor era
celebrada, a mesma ocorria após o sermão. Quando a ceia do Senhor terminava, e
antes da bênção ser pronunciada, a congregação cantava o cântico de Simeão:
"Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo … porque os meus olhos
já viram a tua salvação" (Lucas 2:29-30).15
Os princípios de liturgia de Calvino e a essência de sua
ordem de adoração permanecem em uso para os membros das Igrejas Protestantes
Reformadas. Existem algumas diferenças nos cultos. Por exemplo, não nos
ajoelhamos para orar, não cantamos o Credo Apostólico nem os Dez Mandamentos,
não cantamos o cântico de Simeão após a ceia do Senhor, nem temos uma pronúncia
de absolvição à congregação; além disso, temos algumas orações formadas, mas
não tantas quanto Calvino, e usamos acompanhamento instrumental no cântico dos
Salmos. E certamente as Igrejas Protestantes Reformadas, com Calvino, fazem
todo esforço para basear a adoração na "clara garantia da Escritura",
apelando ao invariável "costume da igreja primitiva."16
Possa Deus nos conceder graça para continuar assim, a fim de
adorarmos aquele que é Espírito, "em espírito e em verdade" (João
4:24).
Fonte: The
Sixteenth-Century Reformation of the Church, David Engelsma (editor), pp.
149-152.
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2Bard Thompson, Liturgies
of the Western Church (New York: New American Library, 1961), 185.
3Em adição ao livro de Thompson e as seções pertinentes
das Institutas de Calvino, o leitor que desejar pesquisar mais sobre
esse assunto deveria ler Corporate Worship in the Reformed Tradition
(Philadelphia: Westminster Press, 1968), de James Hastings Nichols.
4Calvino, Institutas da Religião Cristã (1536),
tradução Waldyr Carvalho Luz.
5Thompson, Liturgies
of the Western Church, 185, 186.
6Ibid., 190.
7Nota do tradutor: Membro da Igreja Protestante
Reformada (Protestant Reformed Church).
8Form for the
Administration of the Lord’s Supper, The Psalter with Doctrinal Standards,
Liturgy, Church Order, and Added Chorale Section, rev. ed. (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1995), 91-96.
9Nota do tradutor: A Igreja Protestante Reformada (Protestant
Reformed Church) utiliza esse documento como diretriz para a administração
da Ceia do Senhor.
10Calvin, Commentary
on the Psalms, 266, 312.
11Nichols, Corporate
Worship, 41, 42.
12Ibid., 43.
13Ibid., 51.
14Nota do tradutor: Uma referência a Mateus 25:44-45,
onde lemos: "E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com
fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos? Então,
lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um
destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer".
15Ibid.
16Thompson, Liturgies
of the Western Church, 185.
Extraído do
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