Sou Obrigado a Dizimar?


Uma das questões que mais levantam debates no meio teológico é o dízimo. Em 90% das denominações é uma obrigação, chega até a ser uma coisa imposta pelos líderes. No pentecostalismo, em particular nas seitas neo-pentecostais, criou-se a lenda de que quem não der dízimo vai ter sua vida financeira atacada por um demônio chamado "devorador". Usa-se até o termo “sonegar dízimo” para os irmãos “inadimplentes”. Essas coisas não são coerentes com a realidade bíblica que nos é apresentada nas Escrituras.

Durante meus anos no pentecostalismo vivi debaixo de muita opressão por medo desse tal devorador. Finalmente na graça de Deus eu pude contemplar a verdade e sair dessa escravidão maldita que os homens impõem. Houve dias em que cheguei a me desesperar e perguntar a Deus onde eu estava errando, pois as coisas não iam nada bem e eu continuava dizimando e sacrificando, porém não via resultado algum. Há “pastores” que fazem um verdadeiro terrorismo com o dízimo, nem conseguem esconder a ganância por trás de tanta exigência. Como não é nenhuma novidade esses falsos pastores se utilizam de textos bíblicos para amedrontarem o povo de Deus, vejamos alguns desses versículos e analisemos rapidamente a questão.

Já era um costume o pagamento de dízimos a deuses e reis no oriente antigo. Por vezes os reinos conquistadores também exigiam dos seus conquistados um imposto de 10%. Dessa forma, dar dízimos era algo tanto civil quanto religioso. Abraão foi o primeiro na Bíblia a ofertar um dízimo. Ele o fez quando voltou de uma guerra e entregou a Melquisedeque:

“E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo” (Gênesis 14.20).

Esse ato de Abraão foi feito como uma forma de gratidão a Deus pela vitória recebida, foi algo voluntário. Melquisedeque não estipulou que Abraão fizesse isso, partiu dele próprio. Depois é Jacó quem nos fornece outro exemplo de dízimo voluntário quando ele erige um altar ao Senhor e faz a promessa de lhe ofertar o dízimo:

“...então esta pedra que tenho posto como coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” (Gênesis 28.22).

Não vemos em nenhum capítulo anterior a esse evento Deus estipulado ou exigindo algo de Jacó. Isso serve para comprovar que dar dízimos antes de vir a Lei de Moisés era algo voluntário, não exigido por Deus, mas um ato de gratidão e que partia da própria pessoa. É algo honorável por parte de quem o faz, mas espontaneamente. Com a advento da Lei Mosaica o dízimo passa a ser uma prescrição. Isso era feito em função do sacerdócio levítico, o dízimo servia para sustentar os levitas, manter o tabernáculo e posteriormente o templo em plena atividade.

“Também todos os dízimos da terra, quer dos cereais, quer do fruto das árvores, pertencem ao senhor; santos são ao Senhor” (Levítico 27.32).

“Eis que aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel por herança, pelo serviço que prestam, o serviço da tenda da revelação” (Números 18.21).

Como os levitas se dedicavam apenas ao serviço religioso era dele que vinha seu sustento. Isso foi algo determinado por Deus. Assim sendo, o dízimo deixava de ser algo voluntário para ser uma exigência cujo propósito era manter aqueles que prestavam o serviço sagrado. Com a introdução do povo na terra prometida foi prescrito que não somente os levitas, mas que os próprios ofertantes (dizimistas) deviam participar do dízimo na hora de oferecê-lo:

“...mas quando passardes o Jordão, e habitardes na terra que o senhor vosso Deus vos faz herdar, ele vos dará repouso de todos os vossos inimigos em redor, e morareis seguros. Então haverá um lugar que o Senhor vosso Deus escolherá para ali fazer habitar o seu nome; a esse lugar trareis tudo o que eu vos ordeno: os vossos holocaustos e sacrifícios, os vossos dízimos, a oferta alçada da vossa mão, e tudo o que de melhor oferecerdes ao Senhor em cumprimento dos votos que fizerdes. E vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus, vós, vossos filhos e vossas filhas, vossos servos e vossas servas, bem como o levita que está dentro das vossas portas, pois convosco não tem parte nem herança” (Deuteronômio 12.10-12).

“Dentro das tuas portas não poderás comer o dízimo do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, nem os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas, nem qualquer das tuas ofertas votivas, nem as tuas ofertas voluntárias, nem a oferta alçada da tua mão; mas os comerás perante o Senhor teu Deus, no lugar que ele escolher, tu, teu filho, tua filha, o teu servo, a tua serva, e bem assim e levita que está dentre das tuas portas; e perante o Senhor teu Deus te alegrarás em tudo em que puseres a mão” (Deuteronômio 12.17,18).

Entretanto, a cada três anos os dízimos deviam ser entregues somente aos levitas e aos necessitados tais como estrangeiros, órfãos e viúvas:

“Ao fim de cada terceiro ano levarás todos os dízimos da tua colheita do mesmo ano, e os depositarás dentro das tuas portas. Então virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), o peregrino, o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que o Senhor teu Deus te abençoe em toda obra que as tuas mãos fizerem” (Deuteronômio 14.28,29).

O dízimo também é chamado de primícias, isto é, a primeira parte ou o melhor. Neste ângulo podemos dizer que Abel foi o primeiro a dizimar:

“Abel também trouxe das primícias das suas ovelhas, e da sua gordura. Ora, atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta” (Gênesis 4.4).

O rei Ezequias conclamou o povo a trazer os dízimos ao templo:

“Além disso, ordenou ao povo que morava em Jerusalém que desse a porção pertencente aos sacerdotes e aos levitas, para que eles se dedicassem à lei do Senhor.  Logo que esta ordem se divulgou, os filhos de Israel trouxeram em abundância as primícias de trigo, mosto, azeite, mel e todo produto do campo; também trouxeram em abundância o dízimo de tudo”(2º Crônicas 31.5,6).

Diante da desobediência do povo de Israel em trazer os dízimos após o exílio da Babilônia, o Senhor os repreende através do profeta Malaquias:

“Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas. Vós sois amaldiçoados com a maldição; porque a mim me roubais, sim, vós, esta nação toda. Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós tal bênção, que dela vos advenha a maior abastança” (Malaquias 3.8-10).

Será mesmo que isso se aplica a nós hoje? Será que estamos sujeitos a essa maldição que é descrita no versículo acima? Os pregadores da teologia da prosperidade adoram esse texto para fazer suas promessas mirabolantes: “Veja, se você dizimar pode fazer prova com Deus, ele vai abrir as janelas do céu na sua vida. Agora se você sonegar o dízimo, ai você vai ser amaldiçoado, vai vir um demônio devorador e acabar com suas finanças...!” Eu cansei de ouvir isso na seita Universal (IURD). É interessante como eles se esquecem que vivemos hoje em uma nova dispensação. Não é impressão minha, a verdade é que nesses lugares onde o evangelho é fonte de lucro a Lei de Moisés é fundamental; sem ela não é possível manipular as pessoas. Precisamos entender que o dízimo descrito em Malaquias era exigido dos judeus durante o vigor da Lei. Assim com o dízimo haviam outras prescrições que também não estavam sendo obedecidas por eles, veja o contexto:

“Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes” (Malaquias 3.7).

Compreendendo e estudando a Lei vamos perceber que ela contém promessa de benção para quem a obedece maldição pra quem desobedece pelo menos um dos seus itens.

“Se, porém, não ouvires a voz do Senhor teu Deus, se não cuidares em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos, que eu hoje te ordeno, virão sobre ti todas estas maldições, e te alcançarão: Maldito serás na cidade, e maldito serás no campo. Maldito o teu cesto, e a tua amassadeira. Maldito o fruto do teu ventre, e o fruto do teu solo, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas. Maldito serás ao entrares, e maldito serás ao saíres” (Deuteronômio 28.15-19).

Diversas maldições são descritas para os transgressores da Lei. Na dispensação da Graça sabemos que não há mais maldição alguma contra nós:

“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3.13).

Toda a maldição que sobrevinha quando a Lei não era obedecida foi lançada sobre JESUS na Cruz. Não estamos mais sujeitos a nenhuma delas. Temos que levar em consideração as palavras do apóstolo quando estamos nos referindo ao Antigo Testamento. Não tem sentido sermos resgatados por Cristo e ao mesmo tempo ainda estamos sujeitos à maldições impostas pela Lei. Na Nova Aliança estamos isentos de cumprir as ordenanças civis e cerimoniais que Israel, enquanto teocracia, estava sujeito.

“E tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós, e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente na Cruz” (Colossenses 2.14).

O que está acontecendo é que esses pseudo-pastores da prosperidade renegam toda a Lei e querem ficar apenas com o dízimo, ou você acredita que a Lei continua em vigor e a cumpre ou não. O que não podemos fazer é ficar escolhendo qual prescrição da Lei é que vai ser obedecida hoje. Ela foi feita para ser cumprida completamente, e quem desobedece a um só quesito é passível de punição. Cristo obedeceu toda a Lei integralmente por nós, sem erra em um só ponto.

Mas e quanto a Igreja? Não existe no novo testamento qualquer mandamento apostólico sobre o dízimo. As únicas bases estão no velho pacto. Então, astutamente, os espertalhões da era moderna se utilizam dessas bases para IMPOR a cobrança de dízimos à igreja sem considerar o contexto no qual elas foram feitas aos antigos. Agora, respondendo objetivamente a pergunta proposta: Sou obrigado a dizimar? A resposta é não. Não encontramos nenhuma ordenança de JESUS através dos apóstolos prescrevendo uma cobrança de dízimos à Igreja. Isso não significa que seja pecado ofertar dízimos, desde que isso não seja imposto como tem sido feito, porque assim estaríamos voltando ao dízimo mosaico, e não existem levitas na igreja para serem mantidos. O que pode ser feito é um propósito pessoal partindo da individualidade de cada um de nós. Quem quiser se dispor a contribuir com 10% de seus ganhos, faça se assim sentir no coração. Em nenhum momento a liderança do ministério tem autoridade para prometer bênçãos em troca de dízimos ou maldição na ausência destes.

O dízimo espontâneo (como gosto de chamar) vem do coração do próprio ofertante, é baseado nos atos de Abraão e Jacó, que voluntariamente decidiram dizimar ao Senhor. É um ato de gratidão e comprometimento com a manutenção da obra de Deus, isso não significa que quem não dizima também não esteja comprometido com a obra, a questão é que quem se compromete a dizimar faz um pouco mais pelo avanço da pregação do evangelho.

Finalmente alguns alegam que sem os dízimos não é possível sustentar os pastores e suas famílias. Na verdade, como já disse, não vemos prescrição de dízimos no período apostólico, mas fica evidente que eram as contribuições da Igreja que mantinham tanto os ministros, através de salários, (2ª Coríntios 11.8), quanto às pessoas mais necessitadas tais quais viúvas e pobres (Atos 2.44/2ª Coríntios 9.1-15/Gálatas 2.10/1ª Timóteo 5.16). Portanto, é perfeitamente concebível sim a manutenção das necessidade da igreja por meio de contribuições voluntárias. Além disso, o dízimo como imposição fere o princípio do "dar com alegria", uma vez que o ofertante é obrigado, e em alguns lugares, coagido a entregar o dízimo. A ganância chegou a níveis tão absurdos hoje que se chegou até a criar um sistema de “Dízimo Consignado”. Isso é resultado da má compreensão do contexto bíblico e da falta de atenção de boa parte da Igreja a essas questões. Creio que qualquer ministério pode se sustentar baseando-se na liberalidade de seus membros (desde que sejam instruídos dessa forma)sem a necessidade de fazer um terrorismo financeiro com o povo de Deus, levando milhares de pessoas a uma escravidão oportunista e de barganha. A contribuição generosa e proporcional de cada crente é a forma mais apropriada para a coleta de fundos para o sustente e manutenção da obra de Deus. É preciso, no entanto, um esforço para educar os membros da igreja nesse aspecto, lembrando-lhes de que é algo a ser feito com gratidão, espontaneidade e proporcionalidade, visando o progresso da propagação da Palavra de Deus e a ajuda aos necessitados, além de servir como testemunho do desapego e desprendimento das coisas materiais, pois afinal de contas tudo pertence ao Senhor, inclusive o nosso dinheiro.

Ir. Samuel