“...regozijem-se todas as árvores do bosque, na presença do SENHOR, porque vem, vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, consoante a sua fidelidade” (Salmo 96.12,13).
Uma das coisas que aprendi depois que me tornei um cristão reformado foi abraçar e me prostrar diante da justiça de Deus. Para muitas pessoas não é fácil digerir a idéia de justiça, porque às vezes, o conceito que temos dela é muito particular, ou seja, o que eu acho que seja justo tem que obrigatoriamente ser justo. Mas quando vamos a Deus este pensamento não deve de modo algum existir. A doutrina cristã, sadia, correta, ortodoxa e fiel, coloca Deus como o centro da realidade humana, reconhecendo que ele é livre para agir em favor de sua criação da maneira que melhor o aprouver. E por Deus ser livre em seu direito, ele também exerce a sua justiça com total liberdade de ação.
Não estranhem o que direi a seguir, a verdade é que muitos cristãos não gostam de admitir que Deus é livre em seu direito. Me parece que eles se sentem diminuídos ou violados enquanto seres moralmente criados e dotados de volição. Por este motivo, é que ensinamentos como o livre-arbítrio são tão “fáceis” de serem aceitos na cristandade. O paladar sempre se atrai pelo que é mais “doce”! Estou falando da liberdade de Deus e ao mesmo tempo do livre-arbítrio do homem, espero não estar fazendo confusão com a mente de vocês. Mas é engraçado como esses dois papéis que citei estão com os atores errados, porque quando se fala em livre-arbítrio do homem, coloca-se muito poder e muita autoridade nele; quando, porém, se fala sobre Deus, dizem que ele respeita as vontades e decisões do homem, dizem que Deus faz o que o homem decreta, que Deus é tão educado que se limita a apenas observar as escolhas e decisões que o ser humano toma. Será que somente eu enxergo isso como uma inversão de valores?
Eu acredito hoje em um Deus que está livre para exercer a sua justiça do melhor modo que achar. Esta idéia não me assusta e nem me cerceia, eu confio nos desígnios de Deus. Por mais que possam me parecer injustos, os propósitos e desígnios divinos nunca estão passíveis de erros ou de caprichos. Nós, humanos, é que não somos capazes de compreender em profundidade os pensamentos do Divino, temos que nos conformar em olhá-los superficialmente, e mesmo assim, ainda nos parece uma tarefa não muito fácil.
Não é possível discorrer sobre esse assunto sem colocar em questão o famoso livre-arbítrio humano. Aliás, eu não posso compreender as demonstrações de soberania divina, tanto no antigo quanto no novo pacto, admitindo a idéia de que, realmente, o homem tenha livre-arbítrio. Pelo menos se ele o tem, com certeza absoluta, ele foi violado algumas vezes, e se Deus concedeu por que o violou? Entre um Deus livre e um homem livre, eu prefiro a primeira opção.
Quando falamos em justiça de Deus logo nos lembramos da cruz. E não poderíamos de forma alguma tratar sobre este tema sem nos referirmos primeiramente à morte vicária do Senhor. O apóstolo Paulo nos diz que em JESUS, Deus fez justiça (2ª Co. 5.21). Esta justiça está em Deus condenar o culpado, e ao mesmo tempo perdoar com misericórdia o pecador. Punindo em Cristo as nossas iniqüidades e lançando sobre nós as virtudes e méritos dele, para que fossemos redimidos, foi realizada assim a justiça divina. Mas Deus continua exercendo a sua justiça todos os dias sobre a face da terra. O que muitos questionam é: Deus é sempre justo em tudo o que faz? Deus tem o direito de interferir até o ponto de causar sofrimento? Deus está por trás das injustiças sociais que vemos pelo mundo?
Na minha visão reformada, eu gosto de imaginar Deus como alguém que está montando um grande (muito grande) quebra-cabeça. Não um quebra- cabeça qualquer, daqueles que você compra na loja de brinquedos e vai tentando montar, sem saber como vai ficar todas as peças. O quebra-cabeça de Deus ele mesmo “desenhou”, foi ele próprio quem “recortou” cada peça e agora está montando uma por uma. Ele já sabe como tudo vai ficar no final, ele fez o desenho antecipadamente. Algumas dessas peças para nós não fazem o menor sentido algumas vezes, mas isso não significa que elas não tenham uma razão de ser, o quebra-cabeça só é bem compreendido quando está totalmente montado, até lá, muitas lacunas ficam em evidência. Acredito que todos agora devem estar esperando que eu responda bem objetivamente as questões que propus agora a pouco, prefiro citar um texto que gosto muito de ler, e que é a grande base do meu pensamento aqui nesse artigo.
“No Céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Salmo 115.3).
Estas palavras não deixam dúvidas de que Deus é livre. A liberdade de Deus não deve nos assustar, pelo contrário; ela deve nos transmitir segurança. Qual pai não quer ver o bem de seus filhos? Somos filhos de Deus, e como tais, gozamos do privilégio que é ter o seu zelo sobre nós. Isso não significa que às vezes não precisemos passar por momentos de tribulação, nos quais, Deus, em seu infinito conhecimento, permite por razões compreensíveis temporariamente apenas a ele.
E diante das injustiças sociais? Onde está Deus? Ele nunca está indiferente as coisas que acontecem no mundo. Mas ele também é livre e soberano para permiti-las. Se existem no mundo pessoas ricas e pessoas pobres, isto é um desígnio de Deus.
“o pobre e o rico se encontraram; a um e ao outro fez o SENHOR” (Provérbios 22.2).
Nas catástrofes que assolam a terra, a mão de Deus está agindo por trás de todas elas.
“Lançaste os fundamentos da terra, para que ela não vacile em tempo algum. Tomaste o abismo por vestuário e a cobriste; as águas ficaram acima das montanhas” (Salmo 104.7).
Nas decisões diplomáticas das nações.
“Pois do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Salmo 22.28).
Até mesmo em coisas simples e aparentemente inúteis.
“E quanto a vós outros, até os cabelos da cabeça estão contados” (Mateus 10.30).
É maravilhoso quando paramos e contemplamos a grandeza e soberania de Deus.
O que é mais difícil para nós é conseguir conciliar a idéia de um Deus que é amor e ao mesmo tempo severo quando exerce juízo. Isso acontece por que ao logo dos tempos, influenciados talvez pela cultura grega e seus filósofos e depois pela renascença, a sociedade tem desenvolvido um pensamento completamente antropocêntrico, isto é, onde o homem deve ser o centro do universo. Tudo deve girar em torno de nós. Infelizmente essa idéia maligna adentrou à Igreja, e alguns passaram a imaginar que Deus não tem o direito de fazer o que bem entender porque o homem merece “respeito”. Pensar assim é anular a soberania de Deus, é tocar em sua glória. Quem somos nós para dizer o que ele pode ou não pode fazer?
“Ai daquele que contende com o seu Criador! O caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou dirá a tua obra: Por que me fizeste?” (Isaías 45.9).
Têm pessoas que me acham estranho por pensar dessa forma, mas ora, não assim que a Bíblia nos ensina a ver Deus? Então o que quer dizer esse texto supra? Eu não posso acreditar nesse deus fajuto que está sendo ensinado em muitos lugares por ai. Um deus que se submete às decisões do homem, um deus que parece ter medo da sua criação. Por mais que digam que estou levando as coisas ao extremo, não é a verdade. O deus que estão pregando em muitos ministérios é que não passa de uma péssima caricatura do Deus verdadeiro. O Deus da Bíblia não tem seus planos frustrados! Agora talvez alguém diga: “Auto lá! Nós também não cremos que nenhum plano de Deus possa ser frustrado!” Eu pergunto: É um plano de Deus que o homem seja salvo? Então por que vocês dizem que ele pode recusar-se a ser salvo usando seu livre arbítrio, isto não é frustrar o plano de Deus?
Os espíritas também não crêem na predestinação e nem na soberania de Deus, explicam as injustiças no mundo como uma forma de pessoas pagarem por seus erros de vidas passadas. Para eles Deus também não tem o direito de agir como quiser. Será que você não tem pensado da mesma forma? Será que diante de uma situação muito difícil você não tem pensado: Deus não tinha o direito de fazer isso!? Não podemos saber qual é o real motivo dos eventos que muitas vezes nos surpreendem, mas podemos ter certeza que eles têm uma função especial nos desígnios de Deus para nós. Ainda que Deus nos lançasse agora mesmo no inferno sem nenhum motivo aparente, ainda sim ele continuaria sendo um Deus de amor, misericórdia e justíssimo! Isso pode parecer apavorante para alguns, Eu, porém, dou glória a Deus!
Veja o exemplo de Eli. Este homem de Deus foi avisado antecipadamente de algo terrível que viria sobre ele, Deus o revelou através de uma criança que os pecados de seus filhos não seriam perdoados de forma alguma, e que ele não teria descendência que continuasse seu nome sobre a terra, sua linhagem seria apagada para sempre. Isso naquela época era algo terrível para um homem, principalmente um sacerdote. Imagine como ficaríamos com uma notícia dessas. “Senhor, castigue meus filhos, mas tenha misericórdia do teu servo, me permita ter uma descendência”. Mas não foi isso que Eli fez, ao invés ele disse:
“Então disse Eli: Ele é o Senhor, faça o que bem parecer aos seus olhos” (1º Samuel 3.18).
Ah se os crentes de hoje amassem dessa forma a soberania do nosso Deus! Apesar de todo mal profetizado sobre sua vida, Eli ainda temia e glorificava a Deus. “Ele é o Senhor”! Quer dizer, ele está acima e mim, ele é justo, tudo o que ele faz tem sentido e razão, quem sou eu pra questionar a justiça e liberdade dele?
Que Senhor aja como lhe parecer melhor e que possamos em toda a situação dizer: Senhor, tu és justo em todos os teus caminhos!
Pr. Samuel