A partir de hoje inicio um nova série de postagens com o propósito de responder a alguns questionamentos que foram propostos a mim por irmãos arminianos. Já faz algum tempo que venho colecionando notas e argumentos que me são sugeridos aos quais tenho me esforçado para responder de acordo com a sã doutrina. Começarei respondendo a um texto que recebi por email do irmão Carlos do Blog da Vida Eterna. Nós haviamos tecido breves comentário no facebook sobre os cinco pontos do arminianismo, mas como o espaço nessa rede social é por demais limitado, pareceu melhor a esse irmão responder a minha réplica via e-mail. Nessa empreitada ele contou com a ajuda de outro irmão arminiano, o Lailson Castanha, do Blog Ideário Arminiano. Espero responder satisfatoriamente e no menor tempo possível, pois nessa empreitada o tempo não está a meu favor, devido as intensas atividades na Congregação e na vida secular. Mas me esforçarei para estar postando todos os dias. Como as respostas podem ser grandes não colocarei tudo de uma vez só, porém a medida em que for escrevendo irei postando. Que Deus conceda a todos o discernimento de sua santa Palavra.
A Resposta aos irmãos Carlos e Lailson consistem na réplica deles a cinco perguntas deixandas por mim no facebook. Colocarei as minhas perguntas, as réplicas dos irmãos Carlos e Lailson e finalizando com as minhas tréplicas.
1ª Pergunta: Por que Deus envia a sua Graça sabendo que ela não surtirá efeito nenhum sobre algumas pessoas?
Resposta Arminiana:
Vamos tentar resolver de maneira racional, mas, levando em consideração a visão holística das Escrituras. Sabemos que toda ação de Deus é perfeita, e por perfeição, não entendemos da mesma forma pragmática e extremamente praticista como entende o homem contemporâneo. As ações de Deus, em muitos casos dispensam o praticismo ocidental. Isso explica o porquê, algumas ações de Deus, ao nosso entendimento, parece fugir da objetividade.
A indagação: “Por que Deus envia a sua Graça sabendo que ela não surtirá efeito nenhum sobre algumas pessoas?” tendo com propósito questionar a falta de coerência à extensão universal da graça de Deus, tem como pressuposto que toda ação de Deus deve ser prática, e sua aplicação deve surtir efeitos facilmente visíveis ao entendimento humano.
1.Existem possíveis explicações racionais, sobre a oferta universal da graça de Deus e explícitas citações bíblicas.
1.1Deus não faz acepção de pessoas. (At. 10.34; Rm 2.11).
Se todos caíram, não havendo acepção, a oferta a redenção deve ser para todos. Ausente a oferta universal, logo, ausenta-se a imparcialidade e com isso, percebe-se a acepção. Como Deus nega a acepção, não faze sentido negar uma dádiva a todos os homens que igualmente caíram no pecado de Adão.
O texto bíblico é claro:
“Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia.” (Romanos 11:32).
É verdade que toda ação de Deus tem um objetivo, porém, nem sempre ele é claro a nossa percepção.
Realmente a minha intenção é questionar uma graça universal, isto é, que é derramada sobre todas as pessoas que habitam a terra visando a salvação delas, porém não é eficaz para conduzir algumas a este propósito. Há uma incoerência gritante aqui. Porém, não uso desse pressuposto o qual você mencionou – Isto é uma conclusão sua. Concordamos que tudo o que Deus determina tem um propósito, e que esse propósito por vezes é de conhecimento unicamente dele mesmo. Contudo, resta-nos discernir onde esse princípio é visívelmente encontrado. Você bem disse que as ações de Deus em muitos casos dispensam o praticismo, o que significa que há outras onde podemos vê-lo claramente em atuação. A nossa divergência é que eu creio que a concessão da graça salvífica é uma delas. Você, ao contrário, crê que no assunto em exposição estamos como que impedidos de entender a que propósito Deus envia sua graça salvífica sobre toda a humanidade (teoricamente porque deseja salvar a todos sem exceção), no entanto ela é eficaz apenas sobre alguns. Eu, porém entendo que é claríssimo nas Escrituras o objetivo de Deus em salvar exclusivamente esses “alguns”, razão pela qual sua graça e 100% eficaz unicamente sobre eles.
Há algo que temos que considerar. O fato de todos os seres humanos estarem em terrível rebelião contra Deus não significa que ele seja “obrigado” a conceder sua dádiva a todos igualmente, antes eles a concede a quem ele quer. Eu poderia até usar aqui a questão que você mesmo citou do praticismo para argumentar que seria muito mais objetivo ele realmente derramar sua graça salvífica sobre todos os seres humanos, seria o mais “politicamente correto” não é? Mas Deus nem sempre usa o que nós consideramos como “justo” ou politicamente correto, simplesmente porque ele tem todo o direito de assim fazer. Se ele se propôs a salvar alguns e deixar os outros como estão, não cabe a nós questionar o motivo pelo qual ele assim age, pois como você disse “toda ação de Deus tem um objetivo, porém, nem sempre ele é claro a nossa percepção”.
Agora acerca dos texto onde se discorre sobre a acepção de pessoas tenho a dizer que o problema do arminianismo é ignorar o contexto no qual tal expressão é dita nas Escrituras. Tenho a impressão que vocês conhecem o sentido étnico no qual os autores sagrados usaram algumas vezes a expressão “todos”, mas simplesmente fazem questão de ignorar apenas para forçar o texto a dizer que não há exceções quanto à salvação.
A isso facilmente posso responder me utilizando do contexto, que não deixa margens para dúvidas quanto ao verdadeiro sentido no qual Deus não faz distinção.
No texto de Atos 10 toda a história sobre Cornélio enfoca a discriminação que os judeus tinham em relação aos gentios, ao ponto de nos considerar imundos. Motivo pelo qual alguns dentre eles não estavam anunciando o evangelho aos não-judeus, talvez nem acreditassem que isso devesse ser feito. Só após todo aquele evento da visão foi que Pedro, um judeu, foi despertado para o fato de que a salvação também é para os gentios. Eis o real sentido em que Deus não faz acepção de pessoas. A salvação não é somente para os Judeus; Deus não é somente dos Judeus, já dizia S. Paulo (Rm 3.29). Por isso não acepção. Por outro lado há uma distinção entre aqueles que foram escolhidos (e que estão em todas as nações) e os que não foram escolhidos e consequentemente não serão salvos.
Em Romanos 2 temos aí o mesmo princípio, pois o tema abordado por S.Paulo é o mesmo de Pedro em Atos 10. Ele enfatiza que conquanto os judeus tinham uma vantagem sobre os gentios pelo fato de a eles ter sido revelado primeiramente os oráculos de Deus, a desobediência [a qual tanto judeus quanto gentios comungam] anula de forma drástica toda a prerrogativa que dispunham, colocando ambos em pé de igualdade, tanto no juízo futuro (vs. 9), quanto na bênção da salvação (vs.10). Em momento algum o apóstolo está alardeando a salvação para toda e qualquer pessoa da face da terra, mas apontando que não há distinção racial ou étnica na concessão da mesma. Ela veio para os judeus, e também para os gentios, porém exclusivamente para aqueles que são chamados (Rm 9.24) e não a todos sem exceção. O mesmo vale para 11.32.
1.2. O juiz só cobra o que é possível a um réu.
Sabendo que o homem, como um réu pecador, jamais poderia fazer o bem por conta da queda universal, a graça de Deus lhe é enviada, para que, como isso, o bem lhe seja possível, e a cobrança seja justa.
Cada pessoa, só pode ser cobrada, pelo que pode realizar. A graça de Deus é enviada, para que seja possível ao homem caído realizar os preceitos de Deus. Sem a graça jamais seria possível a realização do bem, e, por conseqüente, não faria sentido um julgamento sobre aquele que não teve nenhuma possibilidade de agir de forma diferente. A graça dá o homem caído a possibilidade de ele praticar o que é bom, se as rejeita, é com justiça que será castigado, já que a graça que lhe daria a possibilidade agir em prol da vontade de Deus, lhe foi ofertada, é foi por ele rejeitada. Portanto, a justiça se afigura como um castigo contra quem pode fazer o bem, e preferiu praticar o mal, nunca contra quem nunca teve a possibilidade de fazer o bem.
Essa sua afirmação é absurdamente contraditória pelo seguinte motivo.
Você diz que o homem não pode fazer o bem, (isto inclui fazer as escolhas certas), por consequência da queda. Em seguida afirma que somente a graça pode tornar o homem um praticante do bem, ou seja, escolher servir a Deus etc... Até aqui certamente eu lhe bateria palmas, porém depois você estraga tudo dizendo que o homem pode rejeitar essa graça e devido a rejeição é com justiça que será castigado. Agora me pergunto: Como você espera que o homem caído “aceite” a graça se ele não é capaz (de acordo com você mesmo) de praticar o bem, de fazer o que é certo? Em suas próprias palavras você diz “A graça dá o homem caído a possibilidade de ele praticar o que é bom”. O que nos leva a concluir logicamente que sem a graça ele não pode praticar nada que seja bom, não pode fazer o que é certo (inclusive escolher), porém sua única inclinação é o pecado. Se isso é verdade, quando a graça lhe for ofertada ele não irá aceitá-la, porque ele precisaria dela primeiro para poder praticar o que é certo, e de acordo com a sua afirmação ele ainda não a tem, ele precisa decidir aceitá-la antes. Se formos racionais a única coisa que ele fará quando a graça lhe for ofertada será rejeitá-la, pois ela ainda não foi recebida para poder atuar nele e possibilitá-lo a fazer o que é certo. Eu poderia conjecturar que Deus se arrisca em vão. Lança sua graça sobre os homens caídos e espera que eles, mesmo incapazes de fazer o bem, digam um sim e aceitem a sua graça para só então ter capacidade de fazer o que é certo. Até a natureza dessa “graça” é duvidosa, que dirá seus efeitos.
Agora quero me ater a duas frases suas: “O juiz só cobra o que é possível a um réu” e “Cada pessoa, só pode ser cobrada, pelo que pode realizar”. Esse seu argumento é fácilmente derrubado por você mesmo. É você quem diz “o homem não pode fazer o bem por conta da queda”. Ora, se ele não é capaz de praticar o bem, e Deus só cobra pelo que o homem pode responder, então ele não pode julgar o homem por rejeitar a tal graça da qual você fala; o que ele poderia esperar de alguém que não é capaz de fazer o que é certo e bom? O homem não é capaz de aceitar tal graça como já demonstrei usando as implicações do seu próprio argumento, ainda que suas afirmações possam parecer bem coerentes, contudo elas se revelam por demais conflitantes quando expostas a uma análise mais cuidadosa. Aliás, sendo bem ilógico agora, o homem teria que aceitar essa graça duas vezes, a primeira para primeiro lhe conceder a capacidade de praticar o que é certo, e a segunda como conseqüência dessa capacidade adquirida.
Ainda sobre essas duas frases suas, lamento lhe informar que estão profundamente equivocadas. Como já disse, aparentemente soam muito justas e concisas, mas nem sempre o que nós consideramos justo (nossa justiça está muito aquém da verdadeira justiça) coincide com o que de fato é aplicado como justiça por Deus.
Veja por exemplo o que diz: “não faria sentido um julgamento sobre aquele que não teve nenhuma possibilidade de agir de forma diferente”. Ora certamente aqui você e todos os arminiamos tentam impor a Deus seu próprio conceito de justiça e se esquecem de que ele não deve coisa alguma ao homem, muito menos clemência. De sorte que se todos os seres humanos são considerados culpados, logo lhe é de direito condená-los ou absolvê-los como bem entender. Mas você logo se levantará contra essa minha objeção alegando que isso faz de Deus um tirano ou ditador. E eu até concordo que essas palavras podem ser aplicadas a Deus, no entanto não no mesmo sentido em que usamos para definir os líderes humanos, pois tudo que eles fizeram ou fazem visam os maus desígnios de seu coração corrompido e estão impossibilitados de operarem o bem, enquanto que Deus tudo que faz é absolutamente bom e correto. Ele não deve misericórdia a ninguém, então por que tanto barulho quando ele a retém?
Mas voltemos a sua frase “não faria sentido um julgamento sobre aquele que não teve nenhuma possibilidade de agir de forma diferente”. Na sua concepção Deus julga não pelo que devemos fazer, mas sim pelo que somos capazes de fazer. O Sábio certamente dirá que obedecer a Deus e guardar os seus mandamentos é o dever de todo homem, ou seja, é a obrigação de todos nós (Ec 11.13). Mas daí concluir que dever implica em poder existe um grande abismo. Me pergunto também o que será daqueles que nem ao menos tiveram a oportunidade de agir, pois nem bem nasceram e mesmo assim foram julgados severamente. Ademais, Deus julgará o homem pelo que ele deve fazer, aquilo que lhe é claramente prescrito em sua palavra. Contudo a capacidade de obedecer ao que é ordenado não é concedida a todos, e isso é novamente um direito que ele tem, é aqui que mora a razão de todo o conflito, porque vocês sustentam que Deus não poderia agir dessa forma, e se ele emite um julgamento contra quem não recebeu capacidade alguma para agir conforme sua lei, logo seu juizo é sem sentido ou no mínimo injusto. Tenho então que lembrá-los que o Senhor agiu assim em determinadas passagens das Escrituras, por exemplo, quando do dilúvio ele condenou toda a humanidade exceto Noé e sua família. Sem contar os animais, dos quais todos pereceram, menos os que foram selecionados e enviados para a arca. Deveras Deus preservou por sua graça a Noé e sua familia em meio aquela geração, para por meio deles dar continuidade a história. Mas teria Deus agido injustamente em não preservar os outros, porém condená-los sem chance de defesa, à morte? Pois nada lemos sobre a arca ser destinada a toda humanidade e por isso ser oferecida como chance de escape a quem se arrependesse o obtivesse o direito de entrar nela. E quantas crianças morreram inclusive recém-nascidas ou ainda em gestação? Não eram todas inocentes e mesmo assim foram condenadas com o restante das pessoas?A menos que acreditemos que só haviam adultos nessa ocasião, o que certamente espero que você como alguém que é inteligente não me virá referir. Ainda sim, Deus havia determinado a arca unicamente para Noé e sua família. Mesmo que você argumente que os adultos pereceram, pois escolheram ser rebeldes, mas e as crianças? Por que incorreram no mesmo juízo? Será que Deus concedeu aos infantes, muitos ainda no ventre, a capacidade de decidir obedecê-lo ou não? E os animais? Vemos que o juízo vem pelo que devemos fazer e não pelo que somos capazes de fazer, pois a graça de ser capaz de cumprir o que nos é exigido não é concedida a todos, pois a uns lhes é determinado o erro e rebeldia, enquanto a outros lhe são concedidos assim o arrependimento como a misericórdia. Se cada pessoa é cobrada pelo que pode realizar, por quais motivos Deus condenou os infantes e os animais nesse episódio e em muitos outros? Certamente que esta sua afirmação o coloca em muitas dificuldades, ainda mais depois de dizer: “a justiça se afigura como um castigo contra quem pode fazer o bem, e preferiu praticar o mal, nunca contra quem nunca teve a possibilidade de fazer o bem”. Não seria muito mais grave exercer juízo sobre quem nunca cometeu nem um nem outro?
A arma que nesse momento devem apontar contra mim talvez seja “Como Deus pode punir aqueles aos quais ele mesmo designou para a condenação e que por causa disso não poderiam agir diferente?”. Neste quesito me valho de São Paulo quando escreve aos romanos, deixarei que ele claramente responda a questão quando diz: “Mas algum de vocês me dirá: Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” (Rm 9.19). E depois: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: Por que me fizeste assim?” (Rm 9.20). Ora, se Deus como criador decidiu a uns formar para neles manifestar misericórdia, e por isso lhes concede graça para a libertação da escravidão do pecado e por fim salvação, enquanto que a outros formou para revelar neles sua ira e poder, quem pode acusá-lo de injustiça? (vs. 20-24). Mas o apóstolo deixa claro que a misericórdia só é evidente aos vasos de honra em razão daqueles aos quais Deus designou a permanecerem no seu estado de rebelião, pois através da ira e poder recaídos sobre estes (vasos de desonra), os eleitos tomam conhecimento das riquezas de sua glória (vs. 23,24). A questão é reconhecer que Deus tem o direito de fazer o que bem entende com sua criação, como o oleiro tem sobre sua argila.
Estarei dando continuidade assim que possível.
Ecclesia Reformata, et Semper Reformanda!