Salvação: Graça ou Decisão?

“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; isto não vem de vós, é dom de Deus. Não de obras, para que ninguém se glorie”(Efésios 2.8).

A mensagem do cristianismo centra-se na promessa de uma salvação para os que crêem. A Bíblia oferece os detalhes de como essa dádiva é alcançada e como ela foi realizada. Entretanto, as diversas formas de interpretação que têm surgido ao longo dos séculos a respeito desse assunto, levam a grande maioria da cristandade a uma confusão de pensamentos, gerando conceitos errôneos sobre Deus e sua sabedoria. A grande verdade é que o homem por diversas vezes apela à sua lógica e sua concepção de justiça para tentar aplacar uma aparente imposição divina e o que lhe parece um desrespeito ao seu poder de decisão. Mas será que o livro sagrado é tão problemático assim? Será que ele ao invés de iluminar, empurra-nos para ainda mais densas trevas? É evidente que não. Repito, são os homens que apelam para a sua própria sabedoria e se esquecem de olhar a grandeza de Deus.
Quando a expressão “salvação” vem à tona, o que deve permear a nossa mente, segundo o dicionário, é a idéia de livramento, resgate, conservação, manutenção, guarda, defender de alguma coisa, preservar. De acordo com o Aurélio, salvar significa pôr-se a salvo de algum perigo ou livrar-se de algum risco iminente. Indo à Bíblia, salvação possui todos esses significados e ainda mais abrangentes. O que se tem em vista aqui é se essa salvação é concedida gratuitamente sem ressalvas ou se ela é simplesmente oferecida como possibilidade, deixando a cargo do “candidato a salvo” a decisão de recebê-la ou não.
Diante desse dilema temos dois posicionamentos: o calvinismo e o arminianismo. O calvinismo é o pensamento elaborado e sistematizado por Jean Calvin, o célebre reformador francês. Para ele a salvação não depende da decisão ou da vontade do homem, ela é um favor concedido graciosamente por Deus. Calvino ensinava que o ser humano, por consequência do pecado de Adão, está impossibilitado de demonstrar qualquer interesse a favor de Deus, e isso o colocou num estado de morte espiritual que o impede de buscar ao seu criador ou de desejar a sua misericórdia, antes os seus sentidos estão voltados exclusivamente para o pecado do qual jamais poderá ser liberto, a menos que o próprio Deus tome a iniciativa de o resgatar e se manifestar a ele.
No sistema calvinista, a salvação se dá pela predestinação, ou seja, somente os que foram predestinados alcançarão a redenção, o perdão dos pecados e por fim a vida eterna. Esse pensamento é o mesmo de grandes personalidades da história da Igreja, como Agostinho de Hipona. Na outra extremidade temos a teologia arminiana, elaborada por Jacobs Arminiuns, que por sinal foi discípulo de Calvin. Arminiun mudou seu ponto de vista de maneira surpreendente e inesperada, passou a criticar e contradizer o seu antigo mestre publicamente e em debates acalorados. Ele agora entendia que a salvação era oferecida ao homem e ficava a cargo dele aceitá-la ou rejeitá-la. A predestinação de Calvin ficava “condicionada” à decisão final que o homem tomaria, assim sendo, Deus predestina aqueles que ele sabia em sua presciência que iriam aceitá-lo no futuro. Essa nova tese da predestinação ficou conhecida com predestinação condicional, justamente, por estar condicionada à decisão do homem.
Ao longo destes cinco séculos os calvinistas e os arminianos têm se enfrentado diversas vezes. Foram elaboradas várias confissões defendendo ambos os seguimentos, e várias denominações têm abraçado um ou o outro pensamento. Aqui no Brasil os principais grupos protestantes que aceitam o calvinismo como ideologia são os presbiterianos e presbiterianos independentes, também os batistas reformados e as Igrejas em graça. Ao passo que todas as demais denominações, incluindo as paraprotestantesentendem os princípios arminianos como legítimos. Mas será que por ser consenso na maioria das igrejas o arminianismo é realmente a única e definitiva opção?
Vamos considerar agora dois pontos que deixam dúvidas quanto ao pensamento de Arminiun, e compará-los ao que vemos nas Escrituras quanto à salvação.
1. Quanto a decisão colocada nas mãos do homem: Segundo Arminiun, todo o poder de decisão está no homem. Alegando que o ser humano possui livre arbítrio, o aluno apóstata de Calvin, afirma que nós temos um poder inviolável, e que nem mesmo Deus ousa infringir. Tal pensamento soa muito estranho porque contradiz violentamente a Bíblia, vai contra todas as demonstrações da soberania divina na história da humanidade.
Em todo o relato bíblico nós não encontramos nem uma só evidência que pareça sugerir uma alienação de Deus em relação a vida do homem. É justamente esse pensamento que a idéia de “livre arbítrio” transmite quando defendida. Ora, se o homem pode fazer escolhas que nem mesmo Deus pode intervir isso nos revela um “Deus” fragilizado e impotente, as afirmações sobre a onipotência de Deus vistas em toda a Bíblia são fraudes, são blefes, é catastrófico!
Hoje se usa a expressão “Deus respeita o livre arbítrio do homem” para maquiar o terrível engano que está por detrás da aparente injustiça. É injusto! Gritam os arminianos. Somos livres para decidir! Bradam eles em sua euforia. Agora, é interessante notar o quanto anulam as escrituras para estabelecer a sua lógica. Ostentam-se em afirmar que são livres quando a palavra diz que são escravos; orgulham-se em dizer que são eles que escolhem servir a Deus e, no entanto, a Bíblia diz que é Deus quem escolhe por quem ele quer ser servido, “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda” (Jo 15:16). Quem pode negar a autoridade desse versículo? Ele tem dois aspectos interessantes: escolha e designação. Fomos escolhidos pelo próprio Deus, escolhido quer dizer selecionado dentre vários outros, mas escolhidos para quê? A escolha vem seguida de uma designação que é produzir bons frutos. Quer dizer que eu não posso produzir bons frutos a menos que eu tenha sido escolhido por Deus para isso. A escolha não está em nossas mãos, está nas mãos de Deus.
O livre arbítrio, isto é, o poder inviolável de decisão, contradiz o ensino bíblico do estado de morte espiritual do homem. Não podemos negar que o pecado cometido por Adão e Eva trouxe consequências para a nossa natureza humana. Ele destruiu a nossa comunhão com Deus e nos escravizou para sempre. Se Deus nos tivesse dado livre arbítrio nessa situação, então, ninguém seria salvo, pois nossa única escolha seria o pecado, uma vez que a mente é prisioneira dele.
Sobre a ação do pecado Paulo reconhece que é escravo dele (Rm 7.14), que não pode se libertar (Rm 7.24), que só em JESUS ele obteve a liberdade (Rm 7.25). Quando o apóstolo descreve a situação humana, em seu estado de aversão total a Deus, ele diz que “não há um justo, nem um se quer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um se quer” (Rm 3.10-12). Mais adiante, escrevendo aos Efésios, ele nos diz que estávamos mortos em delitos e pecados (Ef 2.1). Como se pode esperar que o homem num estado tão deprimente e incapaz, possa escolher servir a Deus, sendo ele injusto (praticante da injustiça), ignorante (não entende nada sobre Deus) e totalmente alienado (não é capaz de buscar a Deus)? Isso coloca o ser humano no banco dos réus e já condenado à destruição eterna. A graça nos revela que Deus intervém nesse processo de condenação salvando o homem e não lhe oferecendo a possibilidade de salvação, porque se ele fosse esperar por nossa decisão estaríamos todos perdidos.
2. Da presciência de Deus: O pensamento de Arminiun contempla a atributo da presciência de Deus, porém de maneira duvidosa. De acordo com Jacobs, Deus prevê os que irão aceitá-lo no futuro, e isto independentemente dos planos que ele já tenha preestabelecido. Dessa forma, os planos de Deus ficam a mercê da decisão humana, e nós poderíamos acatar ou anular todo o desígnio de Deus relativo a nós somente pelo poder da nossa escolha ou decisão. Todavia, esse argumento esbarra em algumas objeções, como por exemplo, se Deus previu aqueles que o aceitarão no futuro, então, de certa forma, o futuro está predestinado, pois não pode acontecer diferente do que foi previsto, tudo está obrigado a cumprir “a previsão de Deus”; caímos novamente na predestinação de Calvin.
Num ponto as opiniões são as mesmas, calvinistas e arminianos concordam que a salvação é pela fé (Rm 3.28). Esta é uma máxima das escrituras bem clara quando Paulo diz “pela Graça sois salvos, mediante a fé; e isto [a fé] não vem de vós, é dom de Deus...” (Ef 2.8). Ora, é Deus quem dá a fé, no entanto, alguns argumentam que Deus prevê aqueles que irão crer no evangelho, mas para crer é necessário ter fé. Como Deus poder conceder fé para aqueles que já a possuem? Pois se creram é porque já tinham fé. O reverendo Charles Handdom spurgeon, em um dos seus inúmeros sermões, sugeriu a seguinte conjectura: “Pudesse haver vinte mendigos na rua, e eu decidisse dar a eles uns trocados; mas alguém diria que eu decidi dar a algum deles uns trocados, porque eu previ que ele o teria? Isso seria falar algo sem sentido. Da mesma maneira dizer que Deus elegeu homens porque previu que estes teriam fé, que é a salvação em princípio, seria um grande absurdo para nós ouvir no momento tal coisa. A fé é um dom de Deus. Toda virtude vem dele. Nada pode ter influído nele, portanto, para eleger homens, porque isso é seu dom. Estamos seguros de que a eleição é absoluta, totalmente separada das virtudes que os santos terão mais tarde. Ainda que um santo possa ser tão são e devoto como Paulo, ainda que ele possa ser tão audacioso quanto Pedro, ou amável quanto João, ainda assim ele não poderia clamar nada para seu Criador”.
A presciência de Deus não está no fato de ele previr quem irá aceitálo ou quem terá fé para crer nele, e sim na premissa de que como foi ele quem determinou os eventos que ocorrerão no futuro, é lógico que ele já os saiba de antemão. Vemos isso nas palavras do apóstolo Pedro quando ele pregava para os judeus e disse: “Homens israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis; A este que vos foi entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (At 3.22,23). Veja que desígnio e presciência andam juntos, porquê? Porque se Deus decretou algo ele já sabe de antemão que esse algo vai acontecer. Porque Deus sabia que JESUS seria entregue para ser crucificado? Porque esse era o desígnio preestabelecido por Deus, de outra forma nós poderíamos entender que Deus apenas “sabia” que JESUS seria crucificado – O que é absolutamente irracional e estranho.
                                                                                                   Samuel Balbino